reportagem especial

Mestres e alunos trocam saberes na semana que antecede o Dia do Professor

Arianne Lima, Gustavo Martinez e Taísa Medeiros

Foto: Pedro Piegas (Diário)

A chegada do Dia do Professores é uma oportunidade de reflexão sobre o papel que esses mestres exercem na vida dos alunos e da sociedade. O Ministério da Educação (MEC) estabelece o ensino regular em 12 anos, sendo nove de Ensino Fundamental e três para o Ensino Médio. Sem incluir demais níveis de formação, a maior parte dos brasileiros têm contato direto com professores durante mais de uma década.

PROFESSORES EM SANTA MARIA

  • No município - 1.553
  • No Estado - 1.496
  • Na rede particular - 1.635

Mesmo assim, enxergar a contribuição da classe no âmbito de políticas de valorização e de formação continuada ainda está distante. É o que defende Roberta Rossarolla Forgiarini, professora do Departamento de Fundamentos da Educação da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).

- Existem questões salariais, financeiras, de investimento, que a gente tem que considerar. Eu penso que o reconhecimento maior seria termos um investimento nas escolas, numa possibilidade desse professor fazer uma formação continuada, o que muitas vezes não acontece, não há incentivo - argumenta.

O reflexo da desvalorização se reflete na visão que a própria sociedade tem desses profissionais.

- Muitas pessoas pensam que ser professor está mais ligado a ter um dom, uma vontade. Mas não, a gente tem um conhecimento extremamente específico, para o qual a gente se dedica muito, para poder chegar em uma sala de aula e trabalhar. É um investimento que a gente faz na vida. Eu, por exemplo, estudo todos os dias. E isso tem que ser valorizado! - destaca Roberta.

Quem está começando na carreira da educação, também já sabe desta rotina incansável. A estudante do último semestre do curso de Pedagogia da Universidade Franciscana (UFN), Eduarda Menezes, 23 anos, conta, nas próximas páginas, sobre a dedicação e planejamento para além da sala de aula, e o estudo e atualização que serão constantes em sua vida profissional.

Foi o que vivenciou a professora aposentada Terezinha Maria Belinazzo, 78 anos, durante sua atuação, que teve início em 1963. Ela, que aprendeu com a grande mestra, professora Águeda Brazzale Leal, no Instituto de Educação Olavo Bilac, a motivar e impactar os alunos por meio da educação, orgulha-se quando vê que eles alçaram voos ainda mais altos que os dela.

Também no Instituto Olavo Bilac, a professora Deise Caroline Trindade Lorensi, 36 anos, foi estudante normalista, e posteriormente se graduou em Geografia pela UFSM. Hoje, ela tem a honra de ensinar na escola onde aprendeu a ler, escrever e calcular, e conta, nas próximas páginas, a respeito das vitórias e desafios do ensino, em especial durante a pandemia.

Assim como elas, todos fomos, de alguma forma, impactados por profissionais de educação que, com amor, passaram o conhecimento adiante. O reconhecimento do valor desses ensinamentos - tanto os curriculares quanto os conselhos e dicas levados para a vida - seria o primeiro passo a ser dado para uma maior valorização destes profissionais.

Esta reportagem, por meio dos relatos de Terezinha, Deise e Eduarda, busca mostrar diferentes pontos de vista da dimensão que um professor é capaz de ter na vida de um aluno.

*Colaboraram Arianne Lima e Gustavo Martinez

Foto: Marcelo Oliveira (Especial/Diário)

"ELA ME ENSINOU O AMOR PELA EDUCAÇÃO", LEMBRA A PROFESSORA TEREZINHA
Uma educadora que marcou a vida de centenas de santa-marienses. Assim é descrita a professora Águeda Brazzale Leal pela aluna e admiradora, a também professora Terezinha Maria Belinazzo, 78 anos. Águeda se formou na antiga Escola Feminina de Artes e Ofícios Santa Terezinha - hoje, Colégio Manoel Ribas. Ao longo da vida profissional, ela exerceu inúmeros cargos e funções, todos na área da educação. Recebeu, também, títulos ao longo de sua carreira, dentre eles, o de Educadora Emérita do Rio Grande do Sul.

Pelas aulas de português e redação, passaram gerações de alunos que lembram até hoje, com muito carinho, do seu sorriso elegante ao dizer "serenidade, meninas" ao adentrar a sala de aula.

- Lembro da professora Águeda como uma profissional extremamente competente. Tinha clareza para nos ensinar as lições mais difíceis da nossa gramática. Para a turma, ela era um exemplo em todos os sentidos: como pessoa, como professora e, depois, como diretora - relembra Terezinha, que para além do português, aprendeu com Águeda, que faleceu aos 98 anos em 10 de maio de 2012, o que é ser professora no sentido mais profundo da palavra.

Era a reunião de avaliação do estágio de Terezinha. Águeda era diretora do Instituto de Educação Olavo Bilac. No discurso, ela admitiu que, nos primeiros tempos de magistério, precisou de persistência para superar a insegurança de jovem professora, em início de carreira. As palavras marcaram a trajetória de Terezinha na educação:

- Foi como se dissesse somente para mim: com você também vai ser assim! E completou a fala com uma frase que jamais esqueci e considero de profunda verdade: "Feliz é o mestre cujo aluno o supera". Ela nos ensinou o amor pela educação e nos estimulou a fazer nosso trabalho com muita seriedade e atenção.

HOMENAGEM
Ao longo da carreira de Terezinha, quando ministrava aulas de didática e pedagogia no Centro de Educação da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), volta e meia, a frase da professora Águeda era lembrada. Mais do que os ensinamentos, a própria Águeda nunca saiu da memória dos alunos.

Em 2001, o Instituto Olavo Bilac comemorou o primeiro século de existência. Na ocasião, alunos, professores, pais e amigos se reuniram em passeata até a Praça Saldanha Marinho, acompanhados pela banda do Colégio Manoel Ribas. Ao final da passeata, a turma da professora Terezinha fez um pedido especial para a banda: uma breve parada em frente ao prédio onde "dona" Águeda residia, na Avenida Rio Branco. Na data, Águeda, já com 88 anos, seguia ensinando português e redação aos vestibulandos na própria residência.

- Paramos na casa dela, e a banda do Maneco tocou a música A Banda, de Chico Buarque. Foi a homenagem especial da turma das formandas de julho de 1963 para uma paraninfa. Dona Águeda apareceu na janela, acenou e nos convidou para entrar. Nos abraçamos, e foi muito emocionante - relembra.

Esses e outros momentos marcaram a vida dessa turma de professoras, orientadas por uma mestra que teve a educação como missão durante toda a sua vida.

- Eu acredito que, nesta data, assim como nós da turma de 63, que somos educadoras há mais de 50 anos, muitos outros alunos da professora Águeda gostariam de homenageá-la. Com saudade, mas também com muita admiração e gratidão - finaliza.

Foto: Pedro Piegas (Diário)

TRANSFERÊNCIA DE LEGADO É APOSTA DE DEISE PARA FORTALECER A EDUCAÇÃO
O Centro de Atenção Integral à Criança (Caic) do Bairro Lorenzi, região sul de Santa Maria, é um complexo educacional que abriga uma escola de Educação Infantil e outra de Ensino Fundamental. É nesta última, a Luizinho De Grandi, que Deise Caroline Trindade Lorensi, 36 anos, aprendeu e, hoje, ensina. Deise é professora há quase sete anos, após se formar em Geografia pela Universidade Franciscana (UFN), e há dois leciona no Caic.

Esse era, antes, um sonho e, depois, um objetivo antigo de Deise, que, aos 8 anos, já brincava de dar aula e sonhava em ser professora. Durante o Ensino Médio, ela também fez o Curso Normal - preparatório para que os estudantes se tornem professores - na Escola Olavo Bilac, concluído em 2003.

- Eu sou privilegiada. Vim para uma escola em que eu estudei e, hoje, posso retribuir aquilo tudo que eu aprendi com meus professores para os alunos e para a comunidade - avalia ela.

Para Deise, é nessa conexão que mora a grande missão do professor, cuja responsabilidade não é apenas passar o conteúdo para os estudantes, mas "ensinar para vida. O docente tem, também, lições para aqueles alunos que buscam um conselho, uma orientação".

Ela própria foi influenciada por uma professora de educação artística, Izane Maria Dalla Nora. Ainda hoje, Izane é regente do coral do Caic. A inspiração transcendeu a profissão e chegou no humano. A antiga professora de Deise chegou a buscar alunos pessoalmente em casa para participarem das atividades.

- É uma inspiração para mim e para toda a escola, com certeza - reflete Deise.

Ao mesmo tempo, a professora se preocupa com o futuro da profissão, pois cada vez menos pessoas almejam a carreira docente. Segundo pesquisa da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), entre 2006 e 2015, a taxa de adolescentes brasileiros de 15 anos que almejam seguir a carreira docente caiu de cerca de 7,5% para 2,4%, uma redução de quase dois terços.

A tendência se repetiu em pesquisas em outros países, ainda que com menos força, com a redução de 5,5%, em 2006, para 4,2%, em 2015, em nível mundial.

- Educar é a única ação que transforma o mundo, que melhora a nossa sociedade - afirma Deise. Ela pede aos pais para que incentivem os filhos a serem professores e, assim, darem continuidade ao ofício do qual ela tanto se orgulha.

DESAFIOS
Deise ingressou no Caic como professora em julho de 2019, oito meses antes da pandemia de Covid-19 chegar ao Brasil. A maior parte da trajetória na rede municipal se deu em um cenário de ensino remoto e, mais recentemente, híbrido.

Atualmente, ela enxerga esse momento como o maior desafio enfrentado pelos professores, que, aos poucos, retornam com as aulas presenciais:

- Vários alunos se sentem perdidos, muito daquilo que a gente deu no remoto eles não aprenderam. Então, a gente tem que tentar preencher essas lacunas que ficaram e, consequentemente, devem permanecer por um tempo.

Ela comenta também sobre a percepção que a população tem sobre o profissional de educação, e sonha com o dia em que os professores serão socialmente valorizados.

- A gente vê muitos comentários de que professor não quer trabalhar, que estamos de férias. Mas, na verdade, estamos sobrecarregados - critica Deise, que listou as tarefas dos professores em tempos de pandemia, que além de toda a carga já existente do ensino presencial, agora, precisa lidar com carga de trabalho remoto.

Foto: Renan Mattos (Diário)

DE ALUNA A PROFESSORA:A TROCA DE SABERES
Para Eduarda Menezes, 23 anos, estudante do último semestre de Pedagogia na Universidade Franciscana (UFN), estar à frente de uma sala de aula é como adentrar em um espetáculo. O palco espera, em frente à plateia, pronto para testemunhar as mais diversas manifestações de conhecimento. E não pense que os artistas - professores, sejam iniciantes ou os mais experientes - não se importam com a opinião da audiência:

- Sempre entramos com um friozinho na barriga. A gente estuda, planeja, replaneja, mas, quando a gente vê todas aquelas carinhas, pensa: "agora é a minha vez". Questionamos se eles vão gostar, se vão achar atrativa a nossa aula, se vão compreender o conteúdo - conta Eduarda, que já teve algumas experiências de ensino proporcionadas durante estágios supervisionados.

 A estudante escolheu a profissão quando ainda criança, e, ao longo da graduação, só garantiu mais certeza quanto ao caminho trilhado. Para ela, ser professora vai além de passar adiante o conhecimento. Trata-se de também ser um ponto de apoio para os alunos, da mesma forma que os professores dela foram.

- A maior lição que tive com meus professores foi o cuidado. É muito lindo, um olhar muito humano. Eles estão sempre indo atrás, e se a gente precisa de alguma coisa, querem ajudar de alguma forma. É o olhar que eu quero ter com os meus alunos. Eu quero ser como um refúgio, porque a nossa profissão é educar e cuidar. A gente entrelaça os dois o tempo todo - destaca.

Para quem assiste à aula, a mágica parece acontecer naturalmente. Mas, por trás de todo o espetáculo, existe muita dedicação. Eduarda fala com orgulho sobre as horas de estudos e planejamentos necessárias para uma aula sair do papel - e sabe que todo esse empenho será constante na jornada profissional:

- O tempo todo, a gente se atualiza de algo, uma prática nova, uma didática nova. A cada planejamento, é necessário fazer várias pesquisas para saber que método podemos usar para o aluno. Temos os planejamentos adaptados, em que buscamos novas formas de engajar os alunos. A pesquisa está em toda a nossa formação. Ela nunca acaba.

Engana-se quem pensa que apenas o professor ensina. A sala de aula é como o palco do espetáculo, que só tem sentido de existir pelas trocas que proporciona entre os envolvidos:

- Eu acredito que o diferencial da nossa profissão está na arte ensinar enquanto se aprende. Isso também nos ajuda a contribuir no processo de aprendizagem do aluno.

Nem sempre, a plateia percebe todo o esforço por trás. A desvalorização é realidade para esses profissionais, que investem tempo e energia em transformar histórias por meio da educação. Há alunos, famílias e inclusive autoridades que não dimensionam a complexidade e a importância da atividade. Para a futura professora, a falta de reconhecimento deve ser pesada na hora de escolher a profissão.

- Poderia ser muito melhor. Deveria ter muito mais políticas públicas que envolvessem não só o nosso trabalho profissional, mas toda a formação inicial. É uma realidade, mas é uma das profissões mais genuínas. É uma escolha que o profissional reafirma na prática - defende Eduarda.

Antes da cortina se fechar e das luzes se apagarem, Eduarda sempre relembra que nenhum espetáculo ocorre sozinho. Sem a plateia, não há razão de existir a figura do artista. Sem o aluno, nenhum professor teria tanto amor pela profissão.

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